timeless
him her find feel
'just me with a secret'
quarta-feira, 24 de novembro de 2010 @ 17:26




Chuva.
É isso, chuva.
Eu bem sabia que não podiam estar a bater palmas mesmo aqui ao lado a estas horas. É demasiado cedo, acho. Pensando bem, que horas serão afinal? Abro os olhos preguiçosamente mas nada encontro, nenhuma luz de um relógio digital, nenhuma cortina aberta. Imaginei-me a pegar no Iphone e a confirmar o pensamento, mas vi-me a adormecer no sonho novamente.
Não luto com o acordar, estou demasiado confortável no meu colchão de água. Sinto-me a vaguear no mar, em alto-escuro-mar fundo. De repente sinto frio, embrulho-me nos lençóis.
Há quem me chame de preguiçosa. Não trabalho. Não estudo. Não faço nada que não queira. Para quê? Qual a decente razão que me obriga a levantar? A fazer algo da vida? É porque preciso de dinheiro? É porque não posso viver assim? À custa dos meus pais?
Quem me julga por não precisar? Quem me julga por ter dinheiro suficiente para sustentar os meus netos, sem que ninguém se chateie ou aborreça? Preguiçosa? Está bem então. Com muito gosto.
Rapidamente fugi para as montanhas, chuva miúda, andei a passear pelos céus, a uma altura suficientemente alta para que ninguém me visse.
Claro que eu também não quero ficar em casa sem fazer nada. Quero-me divertir, quero viver! Quero me sentir feliz. Mas depois olho lá para baixo, para os mil e muitos mais pontos que se cruzam e trocam sem se falar, aqueles que se juntam por cores e rasteiros se prendem à sua rotina. Aqueles que se dizem felizes e que se escondem em bolas da chuva, esta que tanto me ajuda, esta que tanto me leva a passear aos seus ombros. Chego a uma floresta, daquelas árvores altas de filme, finas, ramos à sua volta, rodeadas por irmãos e primas e parentes. Sento-me num ramo bem alto, um com vista para a cidade.
O meu pai não percebe, a minha mãe não está.
Começo a fazer bolas de sabão, sozinha. Nem os pássaros me acompanham nas cores, estão abrigados também, fugidos da chuva aqueles que não migraram. Elas lá sobem, a chuva agrava-se, e mesmo assim não são capazes de as fazer desaparecer, não consegue impedí-las de chegar à cidade, a um olhar mais atento, um que se atreva a enfrentar as nuvens. Não há vento hoje, ele também merece férias.
Desisto de me chatear com o aborrecimento urbano e deito-me nas folhas do ramo.
Agora o meu pai quer-me comprar um terapeuta. E sim, comprar! Ele não se dá ao trabalho de compreender que não é assim tão fácil mudar de vida tão drasticamente. Uma nova cidade, novas pessoas, novos hábitos. Só em casa é que me sinto bem. Mas eu não quero isso para o resto da minha vida. Ela não se pode basear a isso. Ele nem imagina o quanto eu tenho saudades dos campos de Cigamal. Não entendo é porque é que a minha mãe pode ficar lá e eu tive de vir para cá; uma cidade monocromática, aborrecida, molhada, com pessoas que se fitam de inveja e raiva sem se conhecerem sequer. Toda a repressão, todas as ideias presas, todos os motivos cativos nas mentes das pessoas. É agonizante. Não conseguem exprimir-se. Eu não me consigo exprimir aqui.
Ouço as badaladas na catedral, meio-dia.
Volto para a cama de água, a almofada de seda – aquelas bem caras – e os lençois felpudos. No momento em que abro os olhos, as cortinas correm-se nas mãos do meu mordomo.
- Bom dia Menina. – ouço. Finjo estar rouca:
- Sabes Charles, eu já sou demasiado crescidinha para ser tratada por menina.

Mesmo a tempo.

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Capítulo I
terça-feira, 23 de novembro de 2010 @ 20:46


São seis horas de um dia sem qualquer interesse. Cheguei agora a casa, depois de um dia onde reinaram as frases feitas e a ironia! E se o mundo que me rodeia soubesse o quanto isso me irrita e me deixa capaz de fazer duma simples e simpática brisa de vento uma tempestade bem forte, meu Deus, eu já estaria onde nós sabemos.
Ando à semanas a tentar ter um minuto normal, sem stress, sem problemas, sem irritações, sem coisas feias e o mais importante sem dores num determinado músculo que temos. Sabem, aquele que irrita toda a gente e que todos desejávamos saber lidar com ele. Mas, coitada de mim, não sou capaz de ter normalidade nas últimas semanas. Parece-me mesmo que anda tudo ao contrário e que as coisas estão deslocadas! (ou serei eu a estar deslocada?)
Eu começo a ter de concordar com aqueles psicólogos da treta que passam a sua santa vida a dar consultas a pessoas da minha idade e a transmitirem sempre os mesmos conhecimentos como se estivessem parados no tempo ou então, como se tivessem engolido um gira-discos estragado!
- Então Lila, queres dizer-me como andas? O que se tem passado?
E neste momento já estou eu a pensar que ela deve imaginar que vou andar a contar-lhe o que se passa! Até tenho pena dela, juro. Esforça-se tanto para me entender e tudo o que lhe digo são meia dúzia de palavras que eu sei que ela não percebe. E é esse o meu objectivo, mas ela ainda não descobriu.
- Ando normal! Nem depressa nem devagar, ando com o tempo. Se quer mesmo que lhe diga, nem sei se é com o tempo se é com o sopro do meu coração, mas até esse sopro anda gasto. Não se tem passado nada de interessante, pena, mas eu também não quero que se passe. Só quero que me deixem em paz e que me deixem viver a minha vida.
Pronto, lá ficou ela a olhar para mim com cara de quem não entendeu nem uma vírgula do que disse! Será que eu fui demasiado complexa e ela não percebe? Eu pensava que o dever dela era entender tudo o que digo mas acho que ela está a começar a achar que eu sou é maluca por natureza e que não tenho problemas nenhuns.
Como não percebeu o que eu lhe disse, tirou umas anotações numa agenda que mais parece que andou na guerra e nem sequer comenta uma palavra do que eu disse. Pára durante uns segundos, olha-me nos olhos e eu já sinto que ela tem uma nova pergunta para me fazer.
- Lila, tu já tens 17 anos, - e eu a adivinhar que vamos começar, outra vez, com a mesma conversa - algo positivo se deve passar na tua vida! Aposto que tens um namorado, que ele te adora! Tu és tão bonita, não acredito numa visão diferente da minha. - e eu não dizia? Lá está ela com a sua mania de que eu sou uma beleza de uma menina e que tenho de ter um príncipe encantado como todas as miúdas da minha idade! Mas que mal fiz eu para merecer isto?
Sem muitos rodeios e sem tentar ser mal educada, digo-lhe que aquilo que ela julga é mentira. Que não tenho namorado, que não estou apaixonada e que nenhum rapaz me desperta interesse. Digo-lhe ainda que não sei o que é o amor ao outro, o gostar do outro e nem pretendo procurar sabe-lo tão cedo e, espero sinceramente que me entenda e que respeite as minhas escolhas! Ela, mais uma vez fica com aquela cara que nem aos Deuses lembra e eu peço-lhe se me posso ir embora e com a sua autorização desapareço daquele gabinete como se fosse dotada de super poderes.
Acreditem ou não, nunca entendi porquê que as pessoas acham que os adolescentes ou seja lá o que esta idade for têm de ter sempre paixões, namoros, diversões e brincadeiras de última hora! Eu até gostava de entrar nas cabeças deles e perceber o que vêem assim de tão inédito para pensar tamanha coisa. Na verdade, nós não somos bichos nem temos ideias demasiado à frente do nosso tempo, somos apenas pessoas normais, a crescer, a aprender a cada dia que passa e a formar identidades e opiniões dependendo das atitudes e comportamentos que nos rodeiam. Ou pensam que andamos a ver telenovelas e filmes de última geração que nos ensinam a ser pessoas?
Não vos entendo, a sério. E ainda há-de chegar o dia em que vou perceber os adultos, ou melhor, aqueles que por idade se consideram nessa faixa. E sim, de facto, tudo se trata de uma grande faixada.
Ai se a minha querida e doce Mãe lê-se isto. Até parece que a sinto aqui ao meu lado a fazer uma daquelas suas tertúlias cor-de-rosa sobre as minhas ideias antagónicas. Mas deixem lá, eu adoro-a e isso faz com que pouco me rale com o que ela pensa sobre os meus comportamentos enquanto a sua mente divaga entre uma mala Channel ou uns sapatos Prada!
Eu acho que o meu problema é outro, aliás, são outros. Passam por outras galáxias e são vividos por outros seres. Sinto até que há alguém que sente o mesmo, que vive o mesmo. Eu já pensei em contar à minha psicóloga isso, mas eu penso assim: se ela já me acha doida porque não sou uma miúda como as outras o que é que ela ia pensar se eu lhe disse-se que sinto o que mais ninguém sente e vejo o que mais ninguém vê? Eu quase que tenho uma belo momento de risota só de imaginar a cara de susto, de pavor e de medo dela! Coitada, no fundo não tem culpa de eu ser assim. Não doida, não estranha, não maluca, apenas diferente.
É isso, diferente. Acho que sou isso! Se é que sei o que isso é.


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lost

together at least ~